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PUBLICAÇÕES

POLÍTICA SELVAGEM – Jean Tible

Um belíssimo "arrastão" da rebelião. Na contramão da sisudez acadêmica e da torre de marfim teórica, com leveza e graça incomuns Jean faz o leitor passear pelos meandros mais concretos e palpáveis dos movimentos de todo tipo, feministas, negros, lgbt, indígenas, quilombolas, zadistas, bruxistas, funguistas, tudo salpicado de Zé Celso, Baldwin, subcomandante Marcos, Miariátegui. A variedade, a alternância de cores e tonalidades, a pegada afetiva, o júbilo que atravessa tudo é por si só uma ave rara que nos faz alçar vôo junto. E a coragem de um devir-índio da revolta, sempre ali presente, descaretando o discurso e a tristeza politiqueira. Particularmente felizes são as descrições sobre o movimento negro nos EUA, o movimento operaista na Itália, os feminismos, a mobilização indígena entre nós e nossos vizinhos, os antecedentes do junho de 2013 e sua próprias análise sobre a insuficiência. Para não falar dos detalhes tão bem humorados, por exemplo sobre a ética dos piratas!!! 

Peter Pál Pelbart

POLÍTICA SELVAGEM – Jean Tible

SKU: 9786586598209
R$60.00Price
  • Mesmo sem familiaridade, sem ter me dedicado ao estudo extenso e profundo do Estado, quero dizer, ainda intuitivamente, que é possível chegar à figuração que predominou no período pós-iluminista: a do Estado-Nação, a autoridade política cujas funções são a proteção e a preservação da body politic. Funções exercidas por causa do, porque legitimadas pelo, voto. O voto, que é nada mais do que uma ação formal que expressa a decisão de uma pessoa, a escolha de uma outra para representá-lo juridicamente, isto é, nas decisões sobre criação e aplicação das leis. Contudo o coletivo sobre a proteção da autoridade política não resulta de uma decisão, mas de uma condição, a nacionalidade e tudo o que se relaciona com essa figuração do cultural. Esse tipo de pertencimento, que combina o territorial e o temporal, resulta de processos, eventos e outros determinantes que tratam de manifestações de uma força transcendente — uma razão final — a qual as ações individuais contribuem, mas as pessoas não decidem. Este é o Estado protetor dos membros (cujas vidas protege e cujas vontades representa), da body politic (a qual tem a obrigação de preservar, de defender de ataques externos); este Estado, desde o final do século 19, também protege e representa a coletividade da qual seus protegidos e representados pertencem.

     

    Exatamente contra essa autoridade que protege a propriedade e a nacionalidade, a figuração da autoridade política que emerge no momento de consolidação do capital industrial é o alvo das revoltas, principalmente as do século 20. Ao descrever essas revoltas, conectando umas com as outras da mesma época e com outras do passado, política selvagem traça dois movimentos teóricos cruciais. De um lado, a maneira consistente como o Estado Nação responde a essas revoltas com repressão física ou ideológica indica que estas não se dão em condições excepcionais, nas quais as situações geralmente ficam fora do registro político — como o que ocorre em casa, no privado, que as feministas da segunda onda gritaram que o público e a decisão da suprema corte americana de tornar aborto ilegal reforçou. Não, estas condições e situações que levam trabalhadores, mulheres, militantes LGBTQ, pessoas pretas e povos indígenas à revolta são inerentes ao funcionamento e à vida do capital. São orgânicas, nos lembra Jean Tible. E, ao fazê-lo, este levanta a pergunta que persegue as teorias da democracia em um século durante o qual esta tem sido atacada, a começar por suas fundações jurídicas (aqui tenho em mente a estrutura legal que a administração de George W. Bush pôs a funcionar depois de 09/11): qual seria exatamente a relação entre o autoritarismo e a democracia, quando vemos que as democracias mais estabilizadas tão simplesmente mobilizam seus mecanismos repressivos e antidemocráticos para lidar com essas revoltas? Lendo estes eventos, principalmente os dois últimos, 120 anos, com Jean Tible, torna muito difícil não ver a repressão como uma atividade vital que o Estado faz para proteger o capital. De outro lado, esta leitura da política traz, como tenho indicado neste texto, um convite ainda mais radical. Se a repressão tem como alvo as revoltas contra o capital e sua matriz colonial, racial, cis-heteropatriarcal, quer dizer, se as funções do Estado são quatro (as três usualmente mencionadas (proteção, preservação, representação mais a repressão, a que Jean descreve operando) e se as forças da repressão sempre são mobilizadas mais efetivamente e imediatamente contra as revoltas negras e indígenas, certamente a colonialidade (enquanto modalidade de governo que usa a violência total e letal) continua operativa dentro do/no/como Estado-Nação, tanto nas ex-colônias quanto nas ex-metrópoles. Ao mesmo tempo, sua análise também sugere que a repressão às revoltas contra o cis-heteropatriarcado indica o papel crucial que a maternidade — a reprodução de trabalhadores, ao não se limitar aos que geram mas aos que criam  —  cumpre para o capital.

     

    Pensada assim, focando nas revoltas das pessoas e populações indígenas, negras, trabalhadoras mulheres e LGBTQI+, explorados, expropriados, política selvagem devolve a democracia ao loci comunis, às ruas, praças, estradas, fazendas, matas e ao alto-mar onde esta pode e só faz proliferar!

     

     

    Denise Ferreira da Silva
    * Quarta parte de "REVOLTA", prefácio a presente edição do livro

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